TIAGO RAFAEL DA CONCEIÇÃO Agente de Polícia Federal No Brasil, a atividade de inteligência civil existe desde o ano de 1927, quando da criação do Conselho de Defesa Nacional – CDN – pelo então presidente Washington Luís Pereira de Sousa. Após a promulgação da Constituição de 1934, teve a sua denominação alterada para Conselho Superior de Segurança Nacional e posteriormente, ainda naquele ano, para Conselho de Segurança nacional. Em 1950, o presidente mineiro Juscelino Kubitschek estabeleceu o Serviço Federal de Informações e Contrainformações (SFICI). Na percepção de Joanisval Gonçalves (2013), via-se no SFICI o nascedouro de um serviço secreto civil e profissional. Em 1964, o SFICI foi extinto dando lugar ao memorável Serviço Nacional de Informações (SNI), o qual teve papel fundamental e de grande destaque durante o regime militar no Brasil. Perdurando, inclusive, após o fim do regime militar. O SNI somente foi extinto em 1990, pelo então presidente Fernando Collor de Mello. No ano de 1999, regido pela Constituição Federal vigente, o atual Sistema Brasileiro de Inteligência – SISBIN – foi criado e regulamentado, por meio da Lei nº 9.883 de 07 de dezembro de 1999, a qual estabeleceu a Agência Brasileira de Inteligência – ABIN – como órgão central do sistema. Ficou então incumbido ao SISBIN a função de mesclar as ações de planejamento e execução das atividades de inteligência do país, com o objetivo de fornecer subsídios ao Presidente da República nos assuntos de interesse nacional. Observando o recente contexto histórico político do país nota-se que a atividade de inteligência passou por diversas mudanças, tanto antes quanto após o regime militar. Certo de que a confiança nas instituições tende a ser consonante com o contexto em que cada sociedade vive, é aceitável discussões mais enérgicas em defesa de um maior controle e transparências das ações de inteligência, uma vez que estamos inseridos em uma democracia recente. Por outro lado, qualquer país democrático e minimamente preocupado com a sua soberania e prosperidade necessita de um serviço de inteligência vigoroso e atuante. Levantam-se então discussões no sentido de como institucionalizar de forma eficiente a atividade no Brasil – mantendo o sigilo inerente a esse ramo – ao mesmo tempo que se garante o devido controle e transparência. Para Ugarte, o controle constitui um aspecto de suma utilidade tanto para os atores da atividade de inteligência como para a sociedade. Sustenta que o controle permite alcançar a legitimidade e a eficácia na atividade, evitando dispersão e desperdício de esforços em tarefas que não coadunam com os objetivos fixados, além de contradições e conflitos com a sociedade. Gonçalves (2013), defende que ao realizar operações para reunir dados sobre determinado indivíduo ou organização que represente ou possa vir a representar ameaça à sociedade, o serviço secreto está a proteger os cidadãos, o Estado, e a própria democracia. Gonçalves (2008) complementa que a atividade de inteligência garante a sobrevivência do Estado democrático. Provavelmente influenciados pelo contexto histórico anteriormente mencionado, nossos legisladores implementaram uma série de reformas que desequilibraram a relação entre eficiência e sigilo e controle e transparência, causando um intenso enfraquecimento do serviço de inteligência brasileiro. A título de exemplo, o artigo quinto da Constituição Federal limitou as interceptações telefônicas e telemáticas apenas para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, o que impede, por exemplo, que a ABIN realize tais atividades. Ora, sabemos que a impossibilidade do desempenho de tais atividades limita consideravelmente a capacidade operacional da agência na produção do conhecimento, prejudicando a sua atividade fim. As mesmas limitações existem quando se trata de atividades que envolvam as quebras de sigilo fiscal e bancário, ações controladas1 e infiltração em organizações criminosas, por exemplo. Aqui é propício destacar que o segmento da Inteligência Policial2 talvez seja o mais respaldado legalmente no Brasil. Mota (2018) afirma que a Inteligência brasileira, se comparada aos principais serviços de inteligência do mundo, se destaca negativamente no que se refere à atribuição Para a Lei 12.850 de agosto de 2013, responsável por definir organização criminosa, ação controlada consiste em: retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12850.htm>. Acesso em: 16 outubro 2021 2 Apesar da distinção entre atividades de investigação policial e inteligência policial, é certo que dados e informações produzidos e/ou coletados no bojo de uma investigação policial podem ser compartilhados com o setor de inteligência para a produção de conhecimento. Esses dados e informações podem ser obtidos por meio do emprego de técnicas de interceptações de sinais, infiltração policial, busca e apreensão, etc., o que não é permitido, como dito, por parte da ABIN. 1 de prerrogativas e de meios técnicos universalmente julgados imprescindíveis ao desempenho da atividade de inteligência. A imagem abaixo ilustra essa grande distorção e coaduna com a afirmação de Mota. Figura 1 – Prerrogativas dos serviços de inteligência em alguns países. Fonte: WAGNER, 2017. Ainda como exemplo podemos citar a Lei 12.527/11, mais conhecida como Lei de Acesso a Informação, que extinguiu o grau de sigilo3 “confidencial”. De acordo com Gonçalves (2013), a maior parte dos documentos de inteligência tinham a classificação confidencial, o que seguramente impactou os nossos serviços de inteligência, agora obrigados a disponibilizarem informações e conhecimentos produzidos sob sigilo a qualquer pessoa, inclusive estrangeiro, que realize o pedido de acesso. A proteção do Estado e da sociedade, especialmente de agentes externos, exige uma atividade de inteligência forte e atuante. A falta de previsão legal para o desempenho de certas técnicas de inteligência por parte das agências brasileiras, somada aos diversos Para a classificação da informação em determinado grau de sigilo, deverá ser observado o interesse público da informação e utilizado o critério menos restritivo possível, considerados a gravidade do risco ou dano à segurança da sociedade e do Estado; e o prazo máximo de restrição de acesso ou o evento que defina seu termo final. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20112014/2011/lei/l12527.htm>. Acesso em: 16 outubro 2021. 3 mecanismos de controle e transparência, causou um notório desequilíbrio entre controle e eficiência, acarretando em prejuízos para a atividade. A ausência de amparo jurídico para o emprego de técnicas de inteligência diminui a capacidade operacional, podendo inviabilizar a produção e a disseminação do conhecimento. Podendo, ainda, fomentar atuações clandestinas e ilegais por parte dos agentes de inteligência. Em um mundo cada vez mais interligado, sob ameaças constantes do terrorismo, do crime organizado e da espionagem em suas mais variadas formas, nação nenhuma pode se descuidar de medidas eficientes de segurança e sigilo, ainda que algumas dessas medidas limitem ou prejudiquem em algum momento os direitos e as liberdades individuais. Em que pese a necessidade de vigília constante, conclui-se que o nosso ordenamento jurídico já concede à sociedade e às instituições meios adequados para o controle da atividade de inteligência, devendo agora garantir às nossas agências de inteligência a modernização necessária para o enfrentamento, em nível competitivo, dos desafios atuais. Pois, como bem pontuou Gonçalves (2008), a atividade de inteligência está a proteger os cidadãos e a democracia, garantindo a sobrevivência do Estado. REFERÊNCIAS BRASIL. Lei nº 9.883/99, de 07 de dezembro de 1999. Institui o Sistema Brasileiro de Inteligência, cria a Agência Brasileira de Inteligência – ABIN, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9883.htm>. Acesso em: 16 outubro 2021. BRASIL. Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º , no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm>. Acesso em: 16 outubro 2021. BRASIL. Lei nº 12.850/13, de 02 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12850.htm>. Acesso em: 16 outubro 2021 CAMARGO, Angélica Ricci. Arquivo Nacional. Memória da Administração Pública Brasileira. Conselho da Defesa Nacional (1927-1930). Disponível em: <http://mapa.an.gov.br/index.php/dicionario-primeira-republica/829-conselho-dadefesa-nacional-1927-1930>. Acesso em: 16 outubro 2021. GILL, Peter. Inteligência, controle público e democracia. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/comissoes/ccai/04-Primeira%20Parte.pdf>. Acesso em: 16 outubro 2021. GONÇALVES, Joanisval Brito. Atividade de Inteligência e Legislação Correlata. Niterói, RJ: Impetus, 2013. GONÇALVES, Joanisval Brito. Sed quis custodiet ipso custodes?: o controle da atividade de inteligência em regimes democráticos: os casos de Brasil e Canadá. 2008. 837 f. Tese (Doutorado em Relações Internacionais) - Universidade de Brasília, Brasília, 2008, cap. 3. MOTA, Gibran Aype et al. Constitucionalização da Atividade de Inteligência Perspectivas e Desafios Brasileiros. Revista Brasileira de Segurança Pública. São Paulo, v. 12, n. 1, 134-150, fev/mar 2018. UGARTE, José Manuel. Controle público da atividade de inteligência: a procura de legitimidade e eficácia. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/comissoes/ccai/04Primeira%20Parte.pdf>. Acesso em: 16 outubro 2021. WAGNER, Tomás Ximenes. 2017. Disponível em: <http://slideplayer.com.br/slide/10377937>. Acesso em: 16 outubro 2021.